quinta-feira, janeiro 19, 2006


É a ti que amo sem existires, que acaricio na negritude da noite dos meus sonhos, é a ti que traio a cada carícia, cada beijo trocado com todo e qualquer de existência real. Quando a noite se entranha, é no teu peito que descanso a minha pesada cabeça, cheia de mim e de ti e dos outros, é nos teus braços que me perco e choro a dor de não existires para me amares de volta... Tenho na cabeça o eco da tua voz que nunca ouvi, na pele o teu cheiro, etéreo e vazio, que nunca terei, na ponta dos dedos o amor da carícia que nunca sentiremos, de nós dois como um só...
Agarro-me à esperança de existires fora de mim, neste mundo cruel, feio e bruto, para um dia te tocar, te cheirar, te abraçar inteiro num piscar de olhos. Mas não existes e perco-me nos braços de quem não me pode (nem muito menos quer) amar inteira ou em pedaços, nos braços e na boca de quem não me vê, só me usa a seu belo prazer como eu a folha branca em que escrevo.

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O perfume das rosas mortas persegue-me como ao caçador, entranha-se em mim, possui-me inteira como às páginas de um livro aberto pronto para ser lido, pronto para escrever no coração de quem lê... murmuram-me palavras quentes que me seduzem e apunhalam, no cálido sono de não existir no mundo que me tenta devorar inteira, de uma só vez, nos dias em que me finjo acordada e viva.