Olho o rio e sinto-me só... desamparada e invisível para quem por mim passa, pensando na sua própria vida.
As folhas brancas chamam por mim como velhos amantes de uma vida de mim esquecida mas não lhes sei responder, perdida como ando de mim mesma... O sol põe-se, no seu manto brilhante de arco-íris, e em mim nasce vida, nascem palavras tão velhas como o próprio Mundo, nascem demónios que me atiram com violência para essas mesmas folhas brancas, sedentas de tinta, sedentas do próprio sangue que me corre nas veias e que grita no silêncio do meu quarto palavras incompreensíveis, murmúrios de mim que não sei escrever nem pensar, só sentir, perseguidas nos meus sonhos pelas páginas ainda brancas no meu ser magoado e frio.
É a ti que amo sem existires, que acaricio na negritude da noite dos meus sonhos, é a ti que traio a cada carícia, cada beijo trocado com todo e qualquer de existência real. Quando a noite se entranha, é no teu peito que descanso a minha pesada cabeça, cheia de mim e de ti e dos outros, é nos teus braços que me perco e choro a dor de não existires para me amares de volta... Tenho na cabeça o eco da tua voz que nunca ouvi, na pele o teu cheiro, etéreo e vazio, que nunca terei, na ponta dos dedos o amor da carícia que nunca sentiremos, de nós dois como um só...
Agarro-me à esperança de existires fora de mim, neste mundo cruel, feio e bruto, para um dia te tocar, te cheirar, te abraçar inteiro num piscar de olhos. Mas não existes e perco-me nos braços de quem não me pode (nem muito menos quer) amar inteira ou em pedaços, nos braços e na boca de quem não me vê, só me usa a seu belo prazer como eu a folha branca em que escrevo.
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O perfume das rosas mortas persegue-me como ao caçador, entranha-se em mim, possui-me inteira como às páginas de um livro aberto pronto para ser lido, pronto para escrever no coração de quem lê... murmuram-me palavras quentes que me seduzem e apunhalam, no cálido sono de não existir no mundo que me tenta devorar inteira, de uma só vez, nos dias em que me finjo acordada e viva.
Apetece-me beijar-te... acariciar teu corpo inteiro com um simples beijo na alma. Mas o medo é mais que muito... o medo que nos gela por dentro sem sabermos o porquê. Preencher-te todo num simples gesto, uma carícia de dentro para fora, num sonho qualquer talvez... perder-me em ti como se perde um louco no vasto lume que é o mundo. Fechar-te os olhos... para adormeceres para o mundo, acordares para mim, naquele pequeno recanto da memória que escondemos de nós mesmos e para onde enviamos tudo aquilo que nos é querido, tudo aquilo que amamos, aquilo que faz de nós seres realmente vivos e pulsantes como o próprio coração da terra, da Mãe Natureza.
Num sonho talvez... onde no meu coração cabem todas as pessoas que algum dia amei e me fizeram senão mal... num sonho talvez... em que as lágrimas são rio que banha a nossa alma, onde nos lavamos do pecado de não amar sem limites, sem a mesquinhez de não nos sabermos dar por inteiro a quem sabemos, no fundo de tudo quanto somos, fomos e seremos, amar, àqueles que num olhar, num simples toque ocasional sabemos que sempre foram e serão nossos mas a quem não abrimos os braços e o coração com o eterno medo de sermos magoados, de não sermos correspondidos...
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Olho a minha cama vazia como olho o meu peito, aberto em chaga, por saber que o amor não existe, que existe apenas a dor de nos perdermos nos braços de quem nunca nos amou, a do dor de nunca nos termos perdido nos braços de quem sabiamos (tão certo como o dia se seguir à noite, o silêncio se seguir a um coração partir em mil pedaços) nos pertencer.
Num sonho talvez... quando a morte vier reclamar meu corpo frio em cinza ardido.
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Continuo em busca... por alguém que me faça ascender toda, peito e alma, àquele lugar, àquele pequeno espaço etéreo em que o coração se abre e se espalha e não são precisas mais palavras para definir aquilo que não tem definição, onde basta um olhar para se sentir amado, para se sentir completo, unido com tudo quanto algum dia terá alma e vida e sangue. Continuo em busca... do amor que sei não existir senão nos sonhos mais loucos da Humanidade... busco-te, talvez, alma minha, perdida no espaço que não sou eu ... não te encontro... não te sei sequer perder...
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Oiço a chuva, crepitando na minha janela e sinto o teu peito no meu partilhando num abraço terno a chuva que cai, a luz da lua que me banha inteira... dançamos, num sonho louco, não mais que louco, na chuva que são lágrimas que caem do meu peito, do meu corpo aberto em espiral, espalhado... a chuva cai... não te vejo... as lágrimas de chuva gelam-me agora o corpo, perdido do teu, sem o teu calor para manter os fantasmas de outra vida afastados do meu sono. Talvez um dia... talvez um beijo... talvez uma carícia... talvez um sinal... talvez abramos os dois o peito e sejamos um... sejamos não mais que um símbolo inscrito numa pedra milenar, pilar do mundo.
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A chuva aumenta, quebram-se-me as veias, gelo inteira, sozinha e abandonada... Como explicar as saudades de algo que nunca nesta vida sequer me tocou... como explicar este aperto que sinto quando não me tocas... como explicar? como explicar a mim, ao mundo, a ti, que toda eu ardo em fulgor quando estás em mim, sem sequer te aperceberes disso? E a chuva continua, batendo sempre à cadência certa, acelerada, no meu peito, no meu corpo, no meu ser... A chuva, o vento, o mar, todos me negam, todas me expulsam de si mesmos com a veemência de quem não nos vê nem nos sente, apenas sabe que algo lhes não pertence.
A chuva cai... não sei já onde, não sei já porquê... o vento conspira... tudo me sabe exterior e não pertencente.
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O frio, que vem de dentro, dá-me vontade de ir para a rua, para o vento e gritar. Gritar o que está preso no meu peito e não se conhece em palavras.
O frio gela-me tudo excepto o peito que crepita e arde e não me deixa descansar, não me deixa dormir senão para sonhar, sonhos loucos de quem não se encontra.
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Como dizer... como mostrar sem mal entendidos, sem fugas precipitadas, que necessito dos teus braços em volta do meu corpo, os teus lábios na minha alma para este rodopio interno parar e me sentir eu mesma, despida de quem julgam que sou? Perder-me em ti... talvez um belo dia ou quem sabe um instante apenas em que as flores terão um cheiro mais refinado, os pássaros um canto mais doce...
A tinta esgota-se, no papel infindável em que escrevo, as palavras em que digo quem sou e o que sinto esgotam-se, escorregam-me por entre os dedos sem nunca conseguir dizer quem sou ou o que sinto e o meu peito grita em silêncio a dor de nunca me poder mostrar inteira, apenas como pedaços fragmentados de quem um dia poderia ter sido, não fosse a vida e a morte terem atravessado o seu caminho e coração.
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Tuas doces mãos percorrem o meu corpo como se de néctar divino se tratasse... teus lábios que toco nos meus sonhos preenchem-me como Alma do Mundo que pulsa e vive dentro de cada um de nós...
Busco ainda, no mundo, em mim, em ti, nos outros, o amor que me escapa por entre os dedos, areia e cinza e sangue do meu peito aberto em ferida por viver sem a sua doce candura, sem o abraço, o aperto apaixonado, sem o fogo que nos consome inteiros nesse mesmo amor...
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É sempre tudo tão difícil, sempre tudo tão complicado, sempre cheio dos teus tabús que nos mentem, que nos fazem negar a carne e o sangue de que somos feitos, que nos faz negar todo o amor que temos para dar aos que nos são próximos, àqueles cuja ausência nos traz o frio, a dor de ser incompleto e de estar só...
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