No início, apenas dois estranhos que cruzam caminho... a coberto da noite sem luar, num espaço que existe apenas naquele instante nas suas mentes, tocam-se ao de leve... Tocam-se como quem tem medo de estar, como quem precisa de autorização para ser.
Ao primeiro toque, tão inseguro, tão cheio de medos e sonhos perdidos, seguem-se outros mais sôfregos, mais sofridos, menos contidos. Num bater de asas de um rouxinol a barreira quebra-se, despidos que estão os amantes de si mesmos, das barreiras impostas pela realidade e pelo tempo que correm loucos lá fora, tão longe do abraço terno e doce, violento e cruel, na certeza de que é apenas uma questão de tempo do tempo entrar pela porta da consciência e do medo e gelar os corpos até então quentes do sorriso da pura felicidade.
Os dedos, as línguas, as próprias palavras, lançadas inocentemente na calada da noite são como dardos venenosos que dilaceram a carne tenra e macia dos enamorados incautos, deixando a alma exposta apenas por um instante, não mais que por um sublime e rápido suspiro de prazer e entrega.
A luz da manhã desponta... os amantes, até então entrelaçados, acordam estremunhados, cegos pela luz do novo dia, feitos surdos da chegada do tempo, da hora, do instante de voltar à rotina, do voltar aos dias cinzentos em que estão cegos e surdos e onde o sorriso é apenas uma miragem, é apenas uma ilusão que existe somente no instante em que os corpos se voltam a unir.
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Com a noite, regressa o frio da cama vazia... regressa o espaço em branco que deixas sempre que não estás (ou não és) junto de mim, por entre os lençóis de cetim negro, escolhidos com a alvura de quem não sabe que ama, de quem acredita sentir apenas a nostalgia do sabor guloso, voraz, metálico de sangue, acre, suave e melífluo de um beijo suave quando as luzes se apagam lá fora.
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A tua carne quebra na cadência do meu toque, sinto na tua pele a energia do encontro com a mão que te acaricia a rosto... a dor da busca frustrada do ardor que agora te consome de dentro para fora, está ainda latente nos teus olhos quando me olhas na escuridão, com a esperança de não seres visto como o ser danificado que és, escondido na dor que ofereceste a ti mesmo e com que te banqueteaste sozinho durante anos...

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