sábado, julho 24, 2004


Gritos solitários na vastidão da noite escura, gritos de dor na imensidão do nada absoluto. Caminhamos lado a lado mas não nos vemos, como caminhassemos sós... não temos quem nos lave o sal das lágrimas derramadas nas feridas abertas, lancinantes.
Dói, dói muito... estamos todos sós, neste mundo perfusamente povoado de criaturas estranhas, iguais a nós próprios no exterior mas dolorosamente diferentes no âmago.
Perdi-me há tempos atrás... não sei onde pois ainda não me consegui encontrar...Dói, dói muito... queremos gritar, libertar o grito quente que nos queima a garganta mas não sabemos já como fazê-lo... não temos já quem nos liberte da dor da existência sem sentido.

Engulo as lágrimas, sorvo o sangue, o meu sangue que brota qual rio da nascente da ferida aberta no meu peito ensanguentado... A minha estrela, nascida do meu ventre e posta lá no céu do sol poente, chora de dor, por me ver assim sozinha, abandonada de mim mesma e sente-se só também, de não ter por companhia as estrelas suas irmãs, nascidas dos ventres maternais de todos os outros que choraram antes.

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quarta-feira, julho 07, 2004


Por quem fomos, por quem fui, e tu nunca foste... por não teres sido... por não teres amado... por não teres sentido... meus sentimentos, mas não os sentidos, uso-os como moeda de troca, em busca do que não me deste, daquilo que me conseguiste até roubar com as tuas palavras, com teus gestos, com o teu ardil. Meus sentimentos... que são senão prostitutas nesta vida ignorada, insegura, insaloubra... larga-me!, larga-me as entranhas, pára de me gelar o sangue a cada suspiro da alma.
Perdi-me... ou talvez tenhas sido apenas tu a perder-me, de ti, de mim, do mundo... nunca entendi, porque me seguras ainda, com garras e dentes, a ti, e não me libertas do tormento imcomparável, imparável, que é ter-te a correr nas minhas veias como sal, como sal que queima a terra à sua passagem, não permitindo nunca que a vida dela renasça...

Diz-me... adeus, amor, adeus... diz-mo! por tudo quanto existe neste mundo e no outro que se segue ou, por mais que sangre e chore, não conseguirei nunca tirar-te das minhas veias, de meu peito...

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quinta-feira, julho 01, 2004

"Resíduos do corpo"



De ti ficam as aves,
o rumor
de arderem altas;

ficam as águas,
à tona
a clara sombra
onde poisam lábios;

fica o outono,
desatado beijo a beijo
sobre a palha;

ficam as núvens
e sede ainda
de um ramo de coral.


Eugénio de Andrade

in Obscuro Domínio